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Chalé de ferro remontado na UFPA

Publicado: Sábado, 01 Fevereiro 1992 00:00 | Acessos: 19630

O centenário e imponente chalé de ferro de São Braz está inteiramente remontado no Campus. Um resgate da arquitetura e da história da cidade.

Chalé da UFPA: resgate de parte da memória arquitetônica de Belém

A preocupação com a preservação de um elemento arquitetônico e tecnológico no meio ambiente urbano, e com a sua própria história, foi o que norteou a Universidade Federal do Pará a se empenhar na recuperação do Chalé de Ferro que pertenceu ao Clube Monte Líbano. Considerado um exemplar raro da arquitetura de ferro do século XIX - trata-se de uma das edificações mais bonitas e significativas do patrimônio histórico e artístico de Belém - o Chalé é um dos três remanescentes da arquitetura de ferro importada da Bélgica na fase áurea da borracha. O imóvel foi instalado originalmente no início da avenida Almirante Barroso, por volta de 1893, para servir de residência ao Senador Álvaro Adolfo, abrigou o curso de Arquitetura da UFPA, no período de 1963 a 1970, e a partir daí serviu de sede administrativa do Clube Monte Líbano.

Construído no sistema belga Danly, desenvolvido especialmente para o clima tropical, o Chalé possui paredes compostas de painéis duplos, aparafusados e perfis de aço, com espaços internos variando entre 16 e 60 cm para possibilitar entrada de ar na parede, permitindo adequá-lo às condições térmicas do local onde fosse construído. De acordo com a professora Jussara Derenji, que pesquisa arquitetura de ferro, esta preocupação dos belgas com a questão ambiental pode ser considerada pioneira na Amazônia. Afirma que a existência dos Chalés em Belém são de grande importância por colocar a cidade como possuidora do maior número de prédios em arquitetura de ferro no país.

Particularmente, o Chalé de Ferro remontado pela Universidade possui características que o distinguem dos outros dois - um está montado no Bosque Rodrigues Alves e o outro, que pertencia a Imprensa Oficial do Estado, encontra-se desmontado. É o único de dois pavimentos, completamente avarandado e possuidor de escada externa.

A DOAÇÃO DO CHALÉ

O Chalé foi doado à UFPA pelo professor Euler Arruda, do Curso de Arquitetura, que "por uma casualidade", como ele informa, se tornou dono do imóvel em 1981, ao aceitar a proposta do então presidente do Clube Monte Líbano, Stefan Houat, que lhe deu o Chalé como pagamento, pela elaboração de um projeto arquitetônico para a nova sede do Clube. Euler explica que se interessou pela troca, principalmente pelo fato de o Chalé ter sido o local onde nasceu o Curso de Arquitetura. Mais do que isso, o prédio se constitui em um magnífico exemplar belga da arquitetura em ferro em Belém. Caso não tivesse tomado esta decisão, hoje o Chalé provavelmente seria um monte de ferro velho, como ocorreu com outras edificações históricas feitas desse material, argumenta Euler Arruda.

Logo após se tornar legalmente dono do Chalé, o professor procurou o então reitor da UFPA Daniel Coelho de Souza, manifestando a vontade de doar o imóvel para a Universidade. Foi, então, formalizada a doação ao Departamento de Arquitetura, para que no futuro abrigasse o Museu de Arquitetura. Durante este período, Euler Arruda informa que recebeu todo o apoio dos ex-reitores Daniel Coelho e Seixas Lourenço e chefes de Departamentos para que o Chalé fosse recuperado. Mas, a determinação do reitor Nilson Pinto foi decisiva para a conclusão da obra, que credencia a Universidade Federal do Pará como exemplo de preservação de bens culturais.

O PROCESSO DE RECUPERAÇÃO

A remontagem do Chalé de ferro só foi possível, graças ao verdadeiro mutirão que se formou na Universidade e que mobilizou tanto os professores, como os técnicos e alunos. E, apesar de terem se passado sete anos, desde a época da desmontagem, em nenhum momento houve desestímulo por parte daqueles que se empenharam para a concretização do objetivo. Além do trabalho incansável da equipe que coordenou a recuperação do Chalé, há de se ressaltar, ainda, a colaboração dos dirigentes da Companhia Vale do Rio Doce, do Departamento Regional da Secretaria do Patrimônio Histórico, Artístico e Nacional (SPHAN), da Fundação de Amparo ao Desenvolvimento da Pesquisa (Fadesp) que repassaram recursos necessários, sem o que seria inviável executar uMa obra desta envergadura.

O trabalho de desmonte do Chalé teve início em junho de 1984 e levou três meses para ser concluído. Nesse período foi realizado um levantamento gráfico, com a tomada das medidas de todas as peças que compunham o edifício. Em seguida foram criadas nomenclaturas para identificar os elementos. Assim, para cada parede foi designada uma letra. As peças receberam um código a partir da letra correspondente às suas paredes. Numa segunda etapa foi feito o levantamento fotográfico. Concluído o desmonte, foi a vez do transporte e armazenamento das peças no Laboratório de Hidráulica da UFPA, um local arejado e adequado à sua conservação. Outra preocupação dos técnicos da Universidade, foi em separar as diferentes peças que formam o conjunto arquitetônico, e guardá-las em cima de estrados de madeira, para evitar a sua deterioração. Tais cuidados eram necessários porque não se tinha noção do tempo quе lеvаria a rеmоntаgеm, сomo explica a arquiteta Beatriz Faria, uma das responsáveis pelo projeto de recuperação do Chalé.

Com a liberação da primeira verba, oriunda do SPHAN, foi realizada a primeira etapa, quando se Construiu uma laje de concreto para receber o edifício. De acordo com Beatriz, a construção da laje era necessária por causa do terreno do Campus Universitário ser composto por solo de várzea. Para fazer a laje, foram feitas fundações com estacas numa profundidade de 40 metros, que por sua vez, receberam blocos de concreto. Em seguida foi construída uma percinta e finalmente, concretada a laje. Depois disso a obra ficou parada durante dois anos, e os trabalhos só foram reiniciados após a assinatura de um convênio com a Companhia Vale do Rio Doce em 1987, envolvendo na época mais de setecentos mil cruzeiros. O Gerente de Comunicação Empresarial da Vale, David Leal, afirma que o engajamento nesse projeto demonstra a sensibilidade da empresa para com a preservação de patrimônio histórico importante, como é o Chalé de Ferro. Com essa atitude avalia, a empresa demonstra que não se preocupa apenas com a produção, mas também em se integrar à comunidade onde atua.

Com a liberação desses recursos foi iniciado um trabalho minucioso de recuperação das tres mil peças que compõem o Chalé. Essas peças foram submetidas a um jateamento de areia, um processo através do qual se retira a ferrugem sem provocar estragos. Em seguida foi aplicada uma pintura de sub-base para evitar corrosão. A partir daí teve início a parte do projeto de arquitetura e restauração, incluindo a parte de recuperação das peças danificadas e a confecção das que estavam faltando. Foram recuperadas 97% das peças originais o que, de acordo com os técnicos, aumenta o valor histórico do prédio. O trabalho foi feito por uma equipe de professores e técnicos oriundos dos departamentos de Mecânica, Arquitetura, Estrutura e Química da UFPA. Coube ao Departamento do Meio-Físico a responsabilidade pelo projeto arquitetônico

Para o prefeito do Campus Universitário, João Castro, este trabalho serviu para que a UFPA desenvolvesse um Know how próprio, além de ter oportunizado a realização de aulas práticas e teóricas para os alunos dos cursos de Arquitetura, Engenharia Civil e Mecânica. A equipe responsável pela montagem foi assessorada pelo doutor em arquitetura pela USP e professor da Universidade Federal de Pernambuco, Geraldo Gomes da Silva, considerado uma das maiores autoridades em arquitetura de ferro no Brasil. Geraldo Gomes participou, também, da escolha do local onde o Chalé está montado, que levou em conta a observação da posição do sol e do vento. Atendendo a orientação do professor, a equipe responsável pela recuperação do Chalé não se preocupou em montá-lo como ele estava no Monte Líbano.

Procurou-se estabelecer o que era essencial no edifício, explica Beatriz Faria. Assim, foram feitas algumas alterações consideradas necessárias, como o alpendre superior, que antes era de laje, passou a ser de tábua corrida, os pilares que possuíam concreto, agora vão ficar livres e o Lantermin, que possibilita a saída do ar quente e estava fechado, passará a ficar aberto. Outras modificações introduzidas dizem respeito à pintura aplicada no prédio cujas cores foram escolhidas em função do ambiente em que o Chalé se encontra - em meio a um bosque e às margens do rio Guamá. Para isso foram aplicados o verde-claro em todas as chapas, o azul-médio nos elementos de estrutura, decorativos, pilares e o corrimão da escada. As janelas e portas receberam a cor verde-escuro e o telhado verde-claro.

Esta etapa contou com recursos oriundos da FADESP, liberados no decorrer do ano passado.

SEDE DO NUMA

O Chalé de Ferro irá abrigar, inicialmente, o Núcleo de Meio Ambiente (NUMA) da UFPA - órgão que se originou da Comissão Executiva do Meio Ambiente (CEMA), criada em 1987 - com o objetivo de promover o desenvolvimento das ciências ambientais, e a implantação de programas que visem o estudo, a prevenção e a recuperação da qualidade ambiental, com a participação, de forma articulada, das unidades acadêmicas e outros segmentos da sociedade.

Para o Coordenador do NUMA, Juan Hoyos, a instalação do Núcleo no Chalé de Ferro representa um grande passo no sentido de solidificar o trabalho que o órgão pretende desenvolver na área do meio ambiente, visto que ele por si só é uma referência para aqueles que lutam pela preservação do meio ambiente e dos bens culturais do Brasil.

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Publicado originalmente em Jornal Beira do Rio, fevereiro de 1992, nº 30, Edição Especial sobre Meio Ambiente (clique aqui para acessar o original).

 

Veja mais:

Histórico do NUMA

O Chalé de Ferro da UFPA

Pesquisas com meio ambiente ganham um Núcleo de integração (Jornal Beira do Rio, fev./1992)

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