Por uma Belém mais justa e sustentável
Artigo do Dr. Mário Vasconcelos, professor do PPGEDAM, foi publicado no jornal O Liberal no último domingo, 15 de novembro. O texto é referente a cidade de Belém, que no próximo ano completa 400 anos, e cita ainda um estudo realizado por Roberta Carvalho, formada pelo mestrado do Núcleo de Meio Ambiente da UFPA.
Em artigo recente iniciamos um debate sobre a necessidade das cidades possuírem um projeto de gestão territorial que busque permanentemente a sustentabilidade e a justiça social. Entretanto, sugerimos o entendimento dos conceitos de sustentabilidade e justiça social em seus sentidos mais amplos que envolvam não somente as dimensões ecológicas, sociais, culturais e econômicas, mas também as questões políticos-institucionais e todos os seus desdobramentos. Então vejamos alguns indicadores que desafiam as cidades no Brasil e, em especial, Belém para a consecução de uma cidade justa, includente e sustentável.
No Brasil, segundo as Organizações das Nações Unidas (ONU), os 20% mais ricos controlam 57% da renda nacional e 5,9% da população vivem em extrema pobreza, apesar de esses indicadores terem melhorado substancialmente a partir de 2005, segundo a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal). No Pará, dados do instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010 mostram que 53,65% da população urbana vivem em estado de pobreza e que Belém possui uma taxa de 40,37% de pobreza urbana. Apesar de esses últimos dados terem uma defasagem de cinco anos, a crise econômica que hoje assola o pais indica que não devem ter tido grandes mudanças em face o que se vê em nosso cotidiano pelas ruas da cidade. Um grande desafio que deve ser encarado por aqueles que administram a cidade é o enfrentamento da pobreza de renda e a criação de políticas públicas que tenham o cidadão como centralidade do desenvolvimento da cidade. O que se percebe hoje é uma ausênda de políticas para enfrentar essa questão deixado-a a cargo apenas do governo federal a responsabilidade pela superação da pobreza. Quais políticas públicas efetivas têm sido projetadas e/ou executadas para combater a pobreza nas cidades do Brasil? Como isso tem se dado em Belém? Uma série de outras variáveis e consequências que vão desde o acesso à moradia digna e saneamento básico até o aumento da violência urbana para apontar apenas três sequelas sociais advindas da falta de renda mínima neste processo de reprodução social. A União Nacional por Moradia estima que exista um déficit habitacional no Brasil na ordem de 7 milhões dos quais 400 mil estariam no Pará e cerca de 30 mil em Belém.
Em termos de esgotamento sanitário, o Plano Municipal de Saneamento Básico da Prefeitura de Belém aponta que apenas 37,63% da população municipal têm acesso à rede geral de esgoto. Segundo dados do mesmo relatório, 25% da população da cidade não são atendidos pelo sistema de abastecimento de água. Já o número de homicídios registrados em Belém, segundo a ONG mexicana Conselho Cidadão para a Segurança Pública e a Justiça Criminal, chegou à 1.130 em 2014, o que significa a 18° cidade mais violenta do mundo. Como enfrentar esse quadro em termos de ação conjunta governo-sociedade e com os demais entes federativos para a construção de uma cidade mais justa, includente e segura? Redirecionando a discussão para questões de ordem do ambiente natural e construído, um estudo de Roberta Carvalho realizado no Núcleo de Meio Ambiente da Universidade Federal do Pará (UFPA) mostra que o crescimento da população urbana de Belém tem levado a população a ocupar espaços até então com cobertura vegetal que amenizavam o clima quente da cidade. A vegetação considerada densa da cidade caiu de 33% para 7% entre os anos de 1986 e 2009. Com isto, tem-se a tendência de aumento da poluição do ar e sonora e de um aumento cada vez maior do microclima da cidade. Este quadro é facilmente perceptível em nosso cotidiano e quando se vê a cada dia a construção de novos prédios para as classes alta e média nas áreas mais nobres e a exaustão do solo nas áreas mais periféricas da cidade. Embora o Plano Diretor trace as diretrizes para o ordenamento do território e proteção do ambiente natural, a falta de cumprimento de seus princípios leva a população a acreditar que, apesar dos avanços democráticos e da construção de instrumentos reguladores para uma cidade para todos, há uma nítida segregação socioespacial. De fato, um dos maiores desafios a ser enfrentado e que muito contribuirá para o conjunto dos clássicos problemas acima apresentados é o de reconfiguração politico-institucional para administração das cidades. A gestão tecnocrática até então prevalecente na gestão da maioria das cidades do Brasil (há exceções e Florianópolis é um exemplo) tem se mostrado insuficiente e o Estado incapaz de propor e gerir sozinho as questões que assolam as cidades. Partindo do entendimento de que a cidade deve funcionar como um sistema integrado, ela requer uma estrutura em forma de gestão social, governança e comunicação que facilite a interação entre os diversos atores sociais que a compõem para discutir e encontrar possíveis caminhos para superação e priorização dos problemas a serem enfrentados. São as estruturas de governança que podem intermediar a interação entre as pessoas e dessas com os ambientes que conformam. Experiências em Córdoba, Medelin e Montevidéu tem demontrado novos caminhos na busca de construção de cidades mais justas, includentes e sustentáveis que poderiam ser exemplos para muitas cidades brasileiras, tais como Belém. Estas se dão por via do que se tem chamando de coprodução do bem público. Esta coprodução se dá na interrelação entre agentes do governo, sociedade e mercado para traçar conjuntamente políticas públicas baseadas em pactos territoriais para o desenvolvimento da cidade tendo as pessoas enquanto centralidade. Ações colaborativas entre os agentes buscam o co-planejamento, co-controle e co-avaliação de diretrizes traçadas para a cidade. Não se trata de desconsideração dos poderes constituídos; ao contrário, trata-se de uma aproximação maior destes com a sociedade civil e mercado para a construção coletiva e pactuada da cidade.
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Mário Vasconcelos Sobrinho é PhD em Estudos do Desenvolvimento, economista da UFPA, professor do PPGEDAM/NUMA/UFPA e do PPAD/Unama.
Publicado na edição de sábado, 14, e domingo, 15 de novembro de 2015, do Jornal O Liberal, caderno Atualidades, pág. 17.
Foto: Reprodução/Google
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